quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Exposição Assentamento, de Rosana Paulino, em Americana - SP

A exposição Assentamento da artista Rosana Paulino está acontecendo na cidade de Americana. Unindo fotografias, bordado, gravura e instalação, a artista explora a construção da subjetividade das mulheres negras, repensando as nossas raízes africanas, a violência da escravidão e as possibilidades de reconstruções éticas por meio da arte.



Abaixo o texto de apresentação da exposição e uma de suas potentes obras. 

  • Visitação: até 07 de dezembro de 2013, de segunda a sexta, das 9h às 21h; sábados: das 9h às 12h.
Local: ETEC Polivalente, Av. Nossa Senhora de Fátima, nº 567 – Americana – SP




Rosana Paulino, Detalhe da exposição Assentamento, 2013.


ASSENTAMENTO


          Entre 1865 e 1866, o zoólogo suíço Louis Agassiz comandou uma expedição de cunho científico ao Brasil, a chamada Expedição Thayer. Uma de suas intenções era coletar dados com os quais pudesse comprovar a superioridade da etnia branca sobre as demais. Agassiz estava entre os grandes nomes da ciencia norte-americana da época. Como professor da já prestigiada Universidade de Harvard, foi defensor do criacionismo, do poligenismo e também acreditava que a miscigenação entre seres humanos pudesse causar a degeneração dos grupos envolvidos. Era opositor da teoria evolucionista, lançada por Darwin em 1859 no famoso livro “ A Origem das espéci es ”, que forneceu aos jovens cientistas as bases para invalidar as hipóteses defendidas por Agassiz.

          A fim de provar suas teses racistas, Agassiz encomendou ao fotográfo franco-suíço Augusto Stahl, então residente no Rio de Janeiro, uma série de imagens de africanos que ali viviam. A ideia era retratar “tipos raciais puros” em fotos que variavam do “portrait” às fotografias de caráter científico, onde essas pessoas, negros e negras, apareciam em três posições diferentes: frente, costas e perfil.  Essa suposta cientificidade acabou gerando, paradoxalmente, registros fotográficos únicos da população escrava naquela cidade.
          Diferentemente do que tentava provar, Agassiz ajudou a produzir, isso sim, uma coleção de imagens dos corpos daqueles que ajudaram a fundamentar a cultura brasileira. Os escravizados e escravizadas reproduzidos ali, sem a dignidade das roupas que lhes sublinhavam a condição humana, foram na realidade peças fundamentais no assentamento de nossas bases culturais.
          Assentar, como nos mostra o dicionário Aurélio, é também o ato de fixar-se ou de estabelecer residência em algum lugar. Transplantados à força, os africanos e africanas que aqui chegaram trouxeram seus saberes e práticas. Assentaram aqui sua força, seu axé. A última definição para assentamento encontrada no dicionário Aurélio diz respeito a:
“Bras. Rel. Ser, ou objeto onde assenta a energia sagrada de qualquer entidade religiosa afro - brasileira; assento”.
          Assentaram, portanto, elementos que permearam nossa fala, cozinha, comportamento e, principalmente, boa parte de nossa religiosidade. O que este projeto pretende mostrar, através da execução da instalação, vai além da viagem de transposição feita por aquelas pessoas. A instalação, dividida em três partes, mostra o caminho percorrido (vídeo-imagens do mar), os braços que vieram para o trabalho e, principalmente, o assentamento das bases de uma cultura nova e vibrante. O simbolismo inicial do corpo de uma das mulheres retratadas é ressignificado para se tornar emblema de uma cultura mestiça, cujas bases, firmemente plantadas em solo africano, são muitas vezes subvalorizadas em nossa sociedade. Enaltecer esse corpo, síntese e retrato da cultura brasileira, é reconhecer a contribuição que, ao contrário da premissa de Agassiz, não trouxe decadência, mas sim riqueza e vitalidade, gerando uma cultura pulsante graças à heterogeneidade daqueles que a compõem.